10 de dez. de 2010

Conto do sonho real

- Por que essa Sabrina não se conforma que você casou comigo e não com ela? Que inferno, agora todo final de semana é isso, ex-namorada te ligando pra ir no futebol! Aliás, desde quando você tem esse fanatismo todo por teu time?

- A Sabrina ganhou entrada livre no camarote do estádio e nunca tem companhia, ela sabe que é o time que eu torço, então me convida, droga!

- E eu tenho culpa da incompetência da Sabrina? Já faz tanto tempo que vocês terminaram, a gente tá casado há um tempão e ela não arrumou outro ainda, azar o dela, não o meu!

- Eu também não tenho culpa se você nunca quer fazer nada no domingo de tarde!

- Quer saber? Vai pro jogo com a Sabrina, vai encher a cara com a Sabrina, vai pra puta que te pariu com a Sabrina, vou arranjar coisa melhor pra fazer do que ficar olhando pra tua cara. Some daqui!

E foi o que ele fez. Pegou as chaves do carro, vestiu a camisa surrada que ganhou quando o time ainda estava na segunda divisão e foi pro estádio. Ela ficou chorando no sofá. Mas não de tristeza, por medo de ser traída ou por ficar sozinha. Era raiva. Muita raiva. Uma raiva que não passava, que só ia trazendo lembranças horríveis do começo do namoro, quando a Sabrina era gorda e ficava no pé deles, querendo que tudo desse errado pra recuperar o homem que havia sido seu.

"Chega", gritou ela. "Quanto mais eu pensar nisso pior eu fico". Rindo de si mesma por falar sozinha, foi tomar um banho. Ligou o som, bem alto, deixou aquele CD rolar. Ela passou o sábado todo baixando músicas pra compor um CD pra eles curtirem no domingo à tarde, namorando e comemorando o aniversário de casamento. Saiu do banho revigorada, cantarolante, colocou o vestidinho curto e cor de laranja que realçava seu bronzeado, abriu o vinho tinto que tinha comprado e foi pra sala dançar. Gargalhava, bebendo direto da garrafa, dançava, cantava... Sentia-se realmente bem, apenas gostaria de estar acompanhada. Toca a campainha.

Ela abre a porta, garrafa de vinho na mão, ainda cantarolando Marina Lima.

- “Meu amor se você for emboraaaa”... Oi André!


- Oi... Teu marido tá aí?

- Acabou de sair.

Isso fez com que ela lembrasse do sonho da semana passada... Sentiu um forte arrepio subindo pela coluna. Subindo não, descendo... "Quer dizer que tá fazendo festa e nem me convidou?" disse o outro Ele, com um sorriso lindo no canto da boca. "Capaz, entra, é meu convidado de honra!"

Puxou André pela mão, empurrou a porta com o calcanhar - estava com os pés descalços - e conduziu seu convidado até o meio da sala. "Pronto, agora é só dançar e cantar. Quer vinho?"

André aparentou surpresa ao perceber que estavam sozinhos em casa, olhou para os lados. "André, tu é meu único convidado, presta atenção!" e gargalhava. Não era efeito do vinho, era felicidade. E uma sensação de liberdade que só sentiu quando mergulhou em Abrolhos. Mas não queria pensar em baleias jubarte agora...

"Então, quer uma taça ou toma comigo?" perguntou, dando um grande gole de vinho e olhando-o nos olhos. Aquele delicioso arrepio voltou, descendo mais um pouco por sua coluna. André pegou a garrafa e deu alguns goles, num misto de sede e busca de coragem. "Qual é o motivo da festa?"

- Tô comemorando meu aniversário de casamento.

- Sem o marido?

- Ele tá comemorando com a Sabrina, lá no estádio.

Não deveria ter dito aquilo. As lágrimas vieram como uma cascata, parou de dançar, sentou-se no sofá com as mãos no rosto. André sentou ao seu lado, passou o braço (aquele braço forte) por seus ombros e puxou-a em direção a seu peito. "Não fica assim, você sabe que ele é esquecido mesmo. E a Sabrina é só uma amiga, eu posso te garantir, também sou amigo dela". O choro foi diminuindo, mas não pelas palavras de André. Foi pelo seu cheiro. Aquele perfume que sempre ficava no carro dela depois das caronas, o cheiro que sentia quando se cumprimentavam. O cheiro que sentiu quando dançou com ele no carnaval. Mesmo suado, cheira bem. "Vocês são o casal mais legal que conheço, parecem perfeitos um para o outro...".

Ela escutava ao longe as palavras de André, mas aquele cheiro enlouquecedor não deixava que pensasse em mais nada. Em busca da fonte do perfume, aproximou-se do pescoço do amigo de seu marido, respirando fundo, como se quisesse tirar para si aquele cheiro todo. O arrepio aumentava, descia cada vez mais, tomava conta de seu corpo todo. Dando-se conta do que estava acontecendo, André tentou por um instante afastá-la de seu corpo, segurou seus ombros mas ela não queria perder o contato e enlaçou-o pelo pescoço. Ficaram com os lábios perigosamente próximos, olhos nos olhos...

"Silenciosamente, Eu te falo com paixão ,Eu te amo calado Como quem ouve uma sinfonia De silêncio e de luz.Nos somos medo e desejo somos.Feitos de silêncio e sons.Tem certas coisas que eu não sei dizer"

As mãos de André passaram dos ombros para as costas dela, enquanto silenciosamente aproximou-se. O centímetro que faltava para que suas bocas se tocassem. Por um breve instante, ficaram imóveis, respiração presa, ainda olhos nos olhos. O beijo começou lento, cuidadoso, quase com medo. Ela, trêmula, descontrolada, gemeu baixinho e colou seu corpo no dele. André, que até então procurava uma maneira de não se entregar ao desejo que lhe consumia há meses, perdeu o último suspiro de moralidade e deixou que seu corpo pesasse sobre o dela. Seja por efeito do vinho ou do tesão, os arrepios aumentavam, a intensidade do beijo crescia, as roupas atrapalhavam a inevitável entrega que não demorou a acontecer ali mesmo, no chão da sala.

O vestido dela foi subindo, as alças descendo. André sem camisa, a calça jogada em algum canto, corpos suados, respiração ofegante, sem camisinha ou qualquer lembrança de que isso realmente fosse necessário.
Ficaram por mais algum tempo aos beijos, recuperando o fôlego e as forças, ainda em silêncio. Sabiam que em algum momento teriam de falar sobre o que estava acontecendo, mas não agora. Esperaram tanto por isso, desejaram-se tanto sem esperanças de matar a vontade, por tantas vezes esconderam a vontade insana que sentiam. Aquele momento seria dedicado apenas ao prazer.

O CD chegou ao fim, assim como o vinho. Conversaram mais um pouco sobre as músicas que ouviram, comentaram da qualidade do vinho, do calor que fazia nesse verão, beijaram-se muito, transaram novamente. Por volta das sete ele se despediu com um longo beijo e um "até amanhã, na academia" e foi embora. Ela ficou deitada no sofá da sala, de vestido mas ainda sem calcinha, sorridente e realizada. "Foi muito melhor do que no mais quente dos meus sonhos, ele é incrível", pensava, inebriada... Deu play no som pelo controle remoto, cantarolava novamente junto com Marina Lima, a campainha tocou novamente. Vestiu a calcinha e foi atender à porta toda sorridente, pensando ser André para um último beijo. Abriu a porta e seu sorriso se desfez. Era Ele, com flores e uma garrafa de champanhe, os olhos muito vermelhos.


- Amor, você me perdoa? Passei a tarde toda na casa dos meus pais, chorando e procurando uma forma de te pedir desculpas.

Confusa, sem saber como, ou melhor, o que deveria sentir, deu espaço para que Ele entrasse, fechou a porta e fico parada, olhando para a bagunça na sala, que ainda exalava o cheiro do André, seu marido parado com os presentes na mão, com um sorriso triste nos lábios.

E agora?

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