24 de dez. de 2010

Conto do assombro final

Os dois evitavam trocar olhares, palavras, sequer tocavam as taças de vinho. O bar continuava animado, a banda parara de tocar a poucos minutos, o burburinho era ensurdecedor, mas o silêncio entre eles era quase palpável. Gargalhadas, arrastar de cadeiras, o prato da bateria que caiu, mas o som do silêncio era ainda maior.

Contrariando as aparências, fazia tempo que Ela não se sentia tão bem ao lado d’Ele. Sem precisar prestar atenção no que dizia, ou tecer opiniões às quais ele não daria a menor importância, sequer precisava ficar de mãos dadas com Ele.

A música ambiente cobriu qualquer espaço que ainda não havia sido tomado.

Eu só quero estar só

Esse silêncio me faz tão bem

E a distância também

Não queria partir

Mas não me resta nada a dividir

Ainda bem que cada um em sua estrada anda só

Talvez perceba que tem que levantar e viver

Por que todos acabam sós

Sei que eu preciso esperar

Meias medidas virão

Sutilmente ou não

E bem longe daqui

Não vou agradar ninguém além de mim

Ela sentia vontade de rir. Tinha vontade de gargalhar, sentia-se aliviada pelo semi-desabafo. Aquelas palavras estavam engasgadas há tanto tempo que mal podia se lembrar de um dia em que não quis proferi-las.

Quando já era quase impossível conter o riso, Sabrina sentou-se a seu lado, um pouco bêbada e sem limites.

- Anima aí gente, a festa ta só começando e vocês dois com cara de bunda!

Dois? Ah, sim, Ele estava na mesa.

As duas engataram uma animada conversa, falavam até sobre partes do corpo d’Ele, que a cada segundo ficava mais intrigado com a cena.

"Elas mal se olhavam, agora estão amigas assim?" pensava, sentindo-se sufocado pela lembrança do último encontro que tiveram, quando descobriu a bissexualidade de sua ex e seu interesse por sua esposa. Sabrina tocava as pernas e os ombros d’Ela durante a conversa, dando aulas de como trepar no banco da frente de um carro. Ela, interessada, morria de rir com os detalhes sórdidos que a nova amiga incluía na conversa.

"Será que rolou alguma coisa entre as duas e eu não to sabendo?" apavorava-se com a possibilidade de perder sua mulher pra outra mulher.

Ele bebia sem parar. A terceira garrafa de vinho estava no fim e ainda não acreditava no que via. As duas agora conversavam aos sussuros, ao pé do ouvido, e riam incontidamente. Ele pediu outra garrafa de vinho, que foi trazida por André.

"Ufa", pensou, "finalmente alguém pra conversar comigo".

Ledo engano.

André sentou-se entre as duas mulheres, as gargalhadas aumentavam assim como a intimidade entre os três. Percebendo o estado etílico d’Ele, sugeriu que todos fosse à sua casa, logo ao lado do bar, o que foi aceito de pronto, sem que Ele sequer fosse consultado por Ela.

Ele não sabe ao certo como tudo se deu ou o que aconteceu exatamente, mas acordou sozinho na sala. À sua volta, peças de roupa que não reconhecia e, novamente, o silêncio.

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