28 de dez. de 2010

Conto do outro começo

Ela acordou enjoada. Tremendamente enjoada. Olhou em volta e, pouco a pouco, lembrou do que aconteceu. Ou pelo menos teve uma vaga lembrança. Estava vestida, isso já era um bom indício de que nada de pior aconteceu. Mas onde Ele estava?

Lembrou-se das palavras duras, as insinuações da transa com o outro Ele, o André. Não foram insinuações, ela disse que transou, disse como e onde foi, e com detalhes sórdidos.

"Droga, ele comeu a Sabrina."

A voz dele passou a ecoar... "Grande merda que tu deu pro André, no mesmo dia eu comi a Sabrina, aqui nessa sala. E ela continua gostosa como sempre!"

O diálogo veio como um turbilhão.

"Bom, se tu fosse tão gostoso como acha que é, ela não tinha virado sapatão!"

"E se o André fosse tão maravilhoso, ela tava contigo e não na cama da Sabrina."

Lembrou de ter visto André e Sabrina na cama, sem roupa e pelo visto sem pudores, porta aberta e gritaria.

Tentou levantar-se, mas o enjôo foi mais forte. Engraçado, o porre não foi assim tão forte, o vinho era bom, tinha se alimentado bem...

"Onde Ele tá?"

De repente sentiu-se fraca, dependente e desprotegida. Sentou-se na cama, abraçou as pernas e começou a chorar. Parecia uma criança assustada, mas a única vontade que sentia era de chorar.

"Não acredito que perdi Ele".

Passou um filme rápido em sua cabeça, desde a primeira troca de olhares naquele show em que se conheceram, as caminhadas nas tardes de sábado, as viagens, os passeios, o primeiro carro que compraram juntos, a última parcela da casa, quitada há dois meses.

"Não posso jogar tanto amor fora."

Soluçava, gemia, socava a cama.

Não queria olhar pro sofá da sala e só ver almofadas. E os planos de adotar um cachorro? E as roseiras, que só floresciam quando Ele as regava? E o que Ela faria com aquelas toalhas do Grêmio, que ela odiava, mas lavava com carinho mesmo sendo torcedora do Internacional?

O enjôo ficava cada vez mais forte, correu pro banheiro. Nada saiu, nem vermelho como vinho, nem saliva, nem nada.

Quando saiu do banheiro, Ele estava sentado na cama. Ela percebeu-se tão absurdamente ridícula, com o rosto inchado de tanto chorar, a camiseta amassada e molhada pelas lágrimas. Tinha vergonha de encará-lo.

Sentou-se ao lado d’Ele e esperou que falasse. Qualquer coisa, qualquer palavra, ríspida ou seca, qualquer som que acabasse com aquele silêncio.

Ele também chorava, mas ria ao mesmo tempo! No começo ria baixinho, depois começou a gargalhar e soluçar, com as mãos nos olhos, cabeça meio baixa. Ela olhava e não entendia nada, mas começou a sorrir também. Quando ambos gargalhavam, ela sentiu novamente aquele enjôo esquisito.

"Amor, tu tá grávida"!

E ria descontroladamente.

"Do que tu tá rindo?"

"Acordei achando que tinha te perdido, que te encontraria na cama com aqueles dois... Aí te vejo aqui, sozinha, chorando e vomitando. Minha princesa, minha boneca, amor da minha vida, tão forte e tão delicada, tão independente mas que não consegue ficar longe de mim, confessa..."

"Eu te amo."

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