17 de dez. de 2010

Conto do fim dos sonhos

- E eu tenho culpa da incompetência da Sabrina? Já faz tanto tempo que vocês terminaram, a gente tá casado há um tempão e ela não arrumou outro ainda, azar o dela, não o meu!

- Eu também não tenho culpa se você nunca quer fazer nada no domingo a tarde!
- Quer saber? Vai pro jogo com a Sabrina, vai encher a cara com a Sabrina, vai pra puta que te pariu com a Sabrina, vou arranjar coisa melhor pra fazer do que ficar olhando pra tua cara. Some daqui!

E foi o que ele fez.

Pegou as chaves do carro, vestiu a camisa surrada que ganhou quando o time ainda estava na segunda divisão e... saiu. Muito puto com a falta de discernimento d'Ela, com a falta de compreensão, com o ciúme descabido.
Descabido?

Será que Ela estava tão errada assim? Ele nunca engoliu o término do relacionamento com a Sabrina, que simplesmente falou que tava cansada. Nunca disse o que deu errado, o que deu certo, nunca mais conversaram sobre isso apesar da grande amizade que ficou.

- Oi Sabrina!

- Oi gatão, pontual como sempre!

Ele sorriu um pouco tímido, elogios sempre foram seu fraco. Sabrina entrou no carro e foi ocupando todos os espaços: pés no painel, rebaixou o encosto do banco e trocou o cd.

- Tua mulher só escuta essas coisas chatas, né? Vou até ouvir a primeira música..."

Quero ficar no teu corpo

Feito tatuagem

Que é prá te dar coragem

Prá seguir viagem

Quando a noite vem...

E também prá me perpetuar

Em tua escrava

Que você pega, esfrega

Nega, mas não lava...

Quero brincar no teu corpo

Feito bailarina

Que logo se alucina

Salta e te ilumina

Quando a noite vem...

E nos músculos exaustos

Do teu braço

Repousar frouxa,

murcha Farta,

morta de cansaço...

- Afe, que coisa chata!! É só isso que ela escuta?

- Não quero falar sobre Ela hoje.

- Ué, normalmente é nosso único assunto!

- Não hoje. Aliás, não quero ir no jogo. Quero ir pra algum lugar tranquilo pra gente conversar e encher a cara.

- Ai saco, Ela brigou contigo de novo, né? Volta lá pra casa, tenho um vinho guardado desde a época que a gente namorava.

E assim fizeram. A casa dela continuava a mesma, com aquele cheiro de incenso que o deixava excitado, aquelas almofadas que por tantas vezes já ficaram por baixo de seus corpos... "Tá, conta, o que houve dessa vez?"
"Ela continua com ciúmes de ti, é isso. Sabe que eu te acho uma gostosa, sabe que a gente se dava bem na cama, sabe que você ainda tá sozinha...”

Sem nem perceber o que fazia, ele se aproximou tanto de Sabrina que acabaram se beijando. Ele sentia tanta raiva, confusão e tesão que não conseguiu segurar um desejo que sentia há tempos, principalmente quando percebeu que Sabrina também o desejava. Transaram como loucos, sedentos e saudosos, sem pudores ou sequer ressalvas.

Exaustos e saciados, tomaram banho juntos e terminaram de beber o vinho. Ele percebeu a impressionante falta de culpa. Não se sentia mal pela traição, pelo descontrole, por ter desejado outra mulher que já fora sua por tantas outras vezes."Agora sim, Ela tem motivos pra ter ciúmes de você”. Sabrina começou a gargalhar quase convulsivamente. Entre uma risada e uma tentativa de recuperar o fôlego, arrumou as almofadas no chão, sentou-se e olhou fixamente nos olhos d'Ele:

- Sempre te achei, digamos, lentinho pra entender as coisas, mas dessa vez acho que não quer ver, né?

- Do que você tá falando? O que eu não tô vendo?

- Fofo, quando terminamos, falei que eu tava cansada, certo? Não foi 'cansada de ti' que eu quis dizer, e sim "cansada dos homens". De vez em quando eu até transo com caras só pra ter um prazer diferente, mas eu gosto mesmo é de mulher!

Ele, atônito, mal conseguia respirar.

- Sempre pergunto sobre a tua mulher porque acho Ela uma delícia, adoraria que rolasse uma brincadeirinha entre nós três, mas acho que você jamais toparia.

- Mas o que te faz pensar que Ela toparia?

- Caramba, você virou um bocó mesmo, hein?

Ele, atordoado, desconcertado e arrependido, levantou-se e saiu, sem se despedir ou mesmo fechar a porta. Ao sair ainda podia ouvir as gargalhadas da Sabrina. Dirigiu a esmo por um tempo depois resolveu ir pra casa de sua mãe.
Ela sempre odiou a Sabrina, saberia como ajudar. O difícil seria voltar pra casa...

0 comentários: