3 de dez. de 2010

Conto de Machado de Assis

Os constantes sonhos com André deixaram-na abalada. A crescente amizade entre seu marido e seu “amante onírico” aumentava sua confusão. André virou visita e companhia constante, parecia agora uma extensão do casal.

Ela não sabe se sonha tanto com o outro ele por seu casamento estar morno. Sim, morno, pois Ele está uma pedra de gelo e Ela anda pegando fogo. Por que Machado de Assis continua escrevendo a história de sua vida? Por que não o Drummond, com suas poesias eróticas, ou pelo menos Nelson Rodrigues pra acrescentar alguma emoção – mesmo que adicione um fim trágico. Mas Machado de Assis?

Sente-se Capitu, num dilema interminável... Bentinho já não a satisfaz, é quase um ser desinteressante que co-habita sua casa. E sempre olha de uma forma estranha quando Ela está conversando com Escobar/André... Aquela noite de carnaval, quando Ela animadamente sambava, fantasiada de Mulher Maravilha, Ele sentado bebendo mais cerveja, o outro ele ao lado dela, animada e desajeitadamente sambando, também. “Bentinho” olhava, mas quem pode saber o que se passava na cabeça dele? Ela não sabe se desconfiança, se ficou alegre por ver um (ultimamente) raro sorriso no rosto de sua esposa, ou se simplesmente pensava que a cerveja estava quente.

“Mas toda essa confusão já pode ser considerada uma traição?” pensava ela... Não é só confusão, sempre que olha para André sente um calor inexplicável. Sente arrepios, às vezes fica com a boca seca. Ela sabe perfeitamente o que isso quer dizer: tesão. Capitu morre de tesão por Escobar, mas a existência (marital) de Bentinho a impedem de dar o tão desejado passo à frente.

“Tenho um peito de lata

E um nó de gravata

No coração

Tenho uma vida sensata

Sem emoção

Tenho uma pressa danada

Não paro pra nada

Não presto atenção

Nos versos desta canção

Inútil

Tira a pedra do caminho

Serve mais um vinho

Bota vento no moinho

Bota pra correr

Bota força nessa coisa

Que se a coisa pára

A gente fica cara a cara”

“Cala a boca, Chico Buarque, minha vida tragicômica já tá sofrida demais, não preciso da tua voz me lembrando de que sou covarde”, Ela disse em voz alta. Sentado à sua frente, Ele olhou por cima da página do jornal, por cima das lentes dos óculos demodê, sorriu com um dos cantos da boca e perguntou: “Covarde por que, amor?”.

Ela voltou à realidade, incorporou a Capitu que gritava dentro de si e, com olhos típicos da ressaca em que estava, responde “de trocar de carro. Teria que fazer um leasing, mas o IOF tá me matando”...

Ele resolve deixar o caderno de esportes para mais tarde e ataca os classificados, na seção de veículos, e Ela vai lavar a louça do café da manhã, já que hoje é domingo e André vem para o almoço...

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