7 de nov. de 2011

Meu querido diário

Sempre procurei fazer tudo certo, talvez por saber que nunca me enquadraria nos padrões “boa moça” da sociedade. Por mais que eu me esforce em parecer autêntica, criativa, despojada e blablabla, acabo fazendo escolhas pautada pela satisfação dos meus pais. Que filho não quer merecer o orgulho de quem o pôs no mundo? Tá, eu sei, tem gente que não sofre com isso. Eu sofro.

Quase todas as escolhas da minha vida foram erradas pra mim mas de enorme valor para os que me rodeiam – e pelo visto me odeiam também. Resumindo: sou a gostosa que não goza por si só, traduza isso como quiser.

Aliás, nunca fez diferença pro meu ego ser gostosa ou não, ter barriga ou não, estrias ou celulites. Claro, eu preferia que minha bunda fosse mais bacana, tipo a da Mary Alexandre nos áureos tempos pré-FábioJreigrejaevangélica, mas também não me incomoda ter que ajustar a cintura das calças.

Passei por momentos de baixa autoestima, daqueles que a gente foge do espelho ou, pior, encara o espelho e soltta aquele suspiro da redenção. “Eu me rendo, isso é o melhor que posso ser pra mim”. Redenção e autosabotagem, mas quem se importa? É, nem eu.

Eis que tive a chance, a grande oportunidade de me sentir desejada, sexualmente conquistada, a gostosa que vai pra festa pra ser olhada mas já com um “alvo” previsto, desejado há tempos, só que antes era apenas platônico. Aquela noite não, nada de amores inatingíveis, só a vontade e o êxtase. Fui preparada, deixei tudo certo em casa pra que ninguém sentisse minha falta, fiz depilação, aquela hidratação profunda que deixa até a alma cheirosa, calcinha macia e sexy sob um vestido que delineava as formas do corpo.

Nada disso fez qualquer diferença.

Saí da festa sozinha, triste e conformada, plenamente consciente de que minha vida paralela é infitinamente melhor que a real. Lembro bem de ter entrado no taxi embalada pelo som de um suspiro, profundo e quase definitivo. Fechei os olhos e imaginei um final diferente, excitante e exasperado...

Saí da reunião quase feliz, satisfeita pela conquista profissional e por ter reencontrado amigos de infância, mas um tanto contrariada por não ter conseguido sequer um beijo roubado daquele cara que há tempos frequenta meus sonhos. Caminhei pelo estacionamento em direção ao meu carro, lentamente, como que esperando por alguma última chance. Buzinas leves. Reduzi ainda mais o passo e usei o instinto para descobrir de onde vinham e, sem pensar em mais nada, fui. Entrei no carro e nos beijamos, mãos tateavam cada parte do corpo que tanto desejaram, respiração cada fez mais sôfrega. Tempo que não medi, prazer que jamais senti, coisas que nunca fiz, constrangimento inexistente. Cheguei em casa horas depois, feliz e finalmente conformada com o seguimento da vida, já tivera meu quinhão de deleite.”

Abri os olhos e o taxi virou a última esquina para chegar na minha casa. As lágrimas não vieram, a lua não apareceu, o sono idem. Só o suspiro da redenção me fez companhia na noite em que não fui desejada na única vez em que isso foi importante.

2 de ago. de 2011

Meu querido diário

Sonhei que eu tinha um bebê.
Ele era lindo, saudável, carinhoso e muito sapeca. Brincava, tentava conversar, comia de tudo, um show de criança.
Mas por causa dele eu não tinha mais vida além da vida de mãe. Tive que pedir demissão do emprego, o salário não me permitia pagar creche ou babá – que precisa assinar carteira, sendo que eu não tinha carteira assinada. Meu namorado (o do sonho) cumpria muito bem seu suposto papel de pai: supria as necessidades da casa, pagava as contas e tal, dava um beijo na criança de vez em quanto e me convidava pra sair, já sabendo que eu não poderia por não ter com quem deixar o bebê.
Deixei a faculdade, parei de sair com os amigos e estes deixaram de me visitar ou me ligar, já que eu não conseguia dar a devida atenção à conversa enquanto a cria brincava, corria, enchia a fralda ou dava pitís de sono.
Meu dia não rendia, ficava entre panelas, roupas sujas e a casa, que obviamente precisa ficar limpa quando há uma criança em casa, principalmente o chão em que ela pisa, deita, lambe e esperneia. Quando a noite chegava eu punha meu bebê para dormir, tomava um banho, comia alguma coisa e deitava, podre de cansada, aí vinha o namorado recém-chegado da academia e me acariciava em busca de sexo. Com que ânimo ele esperava que eu me entregasse? De onde viria o desejo? A excitação seria decorrente de uma fralda suja ou de uma camiseta vomitada?
Comecei a me sentir feia. Não tinha tempo para exercícios, manicures ou cabeleireiro, passei a fazer minhas unhas quando um cochilo do pequeno permitia, pintava o cabelo em casa e lembrava com saudade da depilação com cera quente em um salão de beleza.
Eu perdi o contato com o mundo, não tinha assunto para conversas que não envolvessem a Casa do Mickey ou o Urso Agente Especial. Sabia todos os prós e contras de cada marca de fralda, lenço umedecido e sabonete baby, mas não tinha com quem compartilhar. Sabia os benefícios e formas divertidas de preparar legumes e verduras para refeições infantis, mas continuava comendo sozinha.
Acordei assustada. Olhei para os lados e não vi qualquer objeto que remetesse à presença de uma criança. Nenhuma chupeta ou mamadeira, nenhum brinquedo ou meia sem par pelo chão. Estava sozinha na cama, alívio total e imediato. Sem namorado insensível, até porque eu não tenho namorado.
A impressão de amor imenso deixou um gosto amargo na minha boca. Tive uma pequena amostra da delícia que é ser mãe, mas por enquanto acho o preço alto demais.

4 de jul. de 2011

O sonho de Vanessa

Vanessa tinha um único sonho: ser mãe. Já tinha escolhido o nome do filho por estar certa de que seria homem - João, - em homenagem ao avô que foi tão importante em sua infância e já havia ido embora.

Em suas noites mais tranquilas, Vanessa sonhava com o rostinho do seu filho, sentia o cheirinho de bebê. Acordada, imaginava que logo iria jogar futebol com ele e ensiná-lo desde cedo a ser um gremista de coração, respeitando as cores azul, preto e branco.

Ensinaria João a ter gosto por livros, mas o deixaria livre para gostar da história que fosse. Ensinaria também a ter gosto pela música, talvez João teria habilidade para tocar algum instrumento, mas esperaria a iniciativa vir do filho. Seu tão amado filho.

Vanessa já havia escolhido o tema para a festa de um aninho, já havia comprado um sapatinho e uma roupinha para quando João saísse do hospital pela primeira vez fora do ventre que por nove curiosos meses foi carregado. E sabia a cor da toalha do primeiro banho que ela mesmo bordaria o nome dele. A toalha amarela e a busca incessante pela toalha macia e certa.

O pequeno João, sem dúvida alguma, é um bebê de sorte, esperado, amado, mas acima de qualquer coisa, sonhado. Vanessa, sem mesmo tê-lo concebido, sabia que seu filho seria feliz quando chegasse.

Mas a vida foi impaciente demais. Sábia vida deixou Vanessa sem conhecer um verdadeiro amor, aquele que seria o pai do sortudo João. Injusta vida levou Vanessa muito cedo dos braços deste mundo. Hoje não se sabe se o que acabou foi o sonho ou a vida, a única certeza é de que Vanessa e João já não existem mais.

27 de jun. de 2011

As Histórias da Juju

Lembra da Juju? É, aquela guria das Histórias da Juju, que você lê aqui no Me Dá Um Desconto, lembra? Aquela engraçada, estabanada e que lembra um pouquinho de cada um de nós?
Pois é, a Juju virou livro!



E o ebook tá com um preço tão bacaninha, quem sabe você se reserva esse direito à diversão?
Tônia Werste e Ana Gouvêa agradecem!

18 de mai. de 2011

O fim da chuva

Quando essa chuva passar, eu espero que também passe a dor que sinto em ficar ouvindo cada pingo que cai sobre o telhado da minha casa.

Eu sinto como se a solidão me apertasse os ossos.

E a vontade de fugir é mínima, pois, não tenho mais forças. Simplemente desisti dessa luta, nem que agora a única coisa que me resta é esperar.

Esperar o tempo. Aprender a esperar. Aprender.

Saber que tudo que fiz até aqui foi em vão.

Ficam minhas lágrimas, a chuva e a solidão. Fica o meu cansaço, a amargura, e a esperança pelo sol.

Que haja sol!

16 de mai. de 2011

A Rita matou meu sorriso

Eu passei minha infância toda vendo a Rita passar. Ela brincava com os meus amigos, estudava na mesma escola, ia no mesmo pediatra, mas nunca me deu bola. Se bem que eu também nunca tive coragem sequer de me aproximar.
Na adolescência a gente estudava em salas diferentes, mas ela namorava meu amigo. Depois namorou meu primo, que foi um sacana e a fez muito infeliz. Fizemos cursinho juntos, eu sentava no fundo da sala só pra ficar reparando em todos os movimentos da Rita. Sabia quando ela estava disfarçando pra mandar torpedo em horário de aula, sabia quando estava cochilando, sabia as matérias que ela ia bem, sabia até quando ela estava menstruada e tinha cólicas.
Eu sempre amei a Rita. Seu sorriso sempre meu assunto, sempre meu sonho, sempre meu desejo. Cada novo namorado da Rita era como uma punhalada no meu peito, cada beijo que eu assistia era um gole de fel que eu engolia, mas não deixava de olhar pra ela.
Rita, sempre Rita.
Eu passei no vestibular, ela não. No ano seguinte ela tentou de novo e conseguiu. Era minha caloura. “Minha”, nunca, mas a sempre minha Rita continuava sem notar que eu existia. Dias a fio ela fazia perguntas pelos corredores, como sempre perdida com o seu non-sense de direção. Eu sempre me dizia que a Rita é uma canhota destra, sua esquerda fica à direita. Sua Rosa dos Ventos mais se parece um Cravo, ou uma Tulipa.
A Rita... A minha Rita.
Festa de confraternização do curso, ela surgiu como uma deusa evanescente. Sensualidade brotando pelos poros, lábios entreabertos em um sorriso que nunca foi pra mim. Minha Rita, suas pernas semidescobertas, entrecoxas e entrepeitos que eu só entreolhava. E a cada gole que sorvia, eu me imaginava um copo, um canudinho, um gargalo de garrafa longneck que recebia o doce toque de seus lábios. E bebia.
Eu olhava para a Rita, a minha Rita, e bebia. Cada mexer de cabelos da Rita era um novo copo que eu servia e sorvia. Cada passo da Rita me levava a seu encalço, até que, quando percebi, estava à sua frente.
Ela sorriu, olhou para a garrafa em minhas mãos e, sem cerimônia, tomou-a para si. Senti-me no direito de agir da mesma forma, tomei-a para mim. A Rita, a garrafa não sei onde foi parar.
Não lembro bem o que houve depois. E não me sinto capaz de transcrever tudo o que aconteceu depois, o turbilhão que tomou conta de mim. Mas jamais esquecerei as primeiras palavras que Rita me dirigiu, pela primeira vez falando comigo intencionalmente: “ Engravidei. Vou tirar hoje à noite, você vem ficar comigo”? Eu fui, claro, sem qualquer outra pergunta. Sempre soube seu endereço, sempre soube tudo da minha Rita.
Ao chegar, ela já estava dormitando, anestesiadamente linda. Sua amiga – acho que jamais me lembrarei de seu nome, ou esquecerei seu rosto – já aplicara os medicamentos e, sem dizer nada, entregou-me duas folhas de papel, uma impressa e outra escrita à mão.
A impressa me dava instruções para os procedimentos que viriam a seguir, uma resposta para cada possível pergunta. Praticamente um FAQ do aborto doméstico. A outra folha, escrita com letras arredondadas e linhas impressionantemente tortas, era uma carta da Rita. Minha, sempre minha Rita, escrevera uma carta para mim. Dolorosa, quase insuportável, dura e direta.
“Não sei seu nome, e mesmo que soubesse teria esquecido. Bem feito pra mim por transar sem camisinha com um desconhecido, e quero que você saiba que não quero te ver quando eu acordar. Fique ao meu lado durante o procedimento, isso também é culpa sua e você tem que participar, mesmo sabendo que a dor física é só minha. Não sei se o arrependimento também é seu, mas sei te dizer que, se arrependimento matasse, eu estaria dura e fria à sua frente. Tenho um tumor no seio direito, sou hipertensa e alérgica a vários medicamentos, não posso ser mãe e não quero ser nada daquilo que você falou naquela noite. Não quero ser idolatrada, não quero ser admirada, não quero ser musa inspiradora, não quero nada de você a não ser distância. Felizmente ninguém nos viu juntos, espero que não tenha contado pra ninguém. Não me dirija a palavra quando me encontrar sei lá onde você me veja, não me importo com seus passos. Me deixe em paz”.
Estou a seu lado agora. Seu rosto, lindo e sereno, não deixa transparecer a dor que sentiu. Seu corpo, perfeito e frio, parou de tremer. Seus gritos cessaram, a convulsão também.
Ficarei a seu lado, minha Rita, minha eterna Rita, até que a ambulância chegue e leve seu corpo. Depois disso nada mais importará.

7 de fev. de 2011

Nem todo dia é igual

Exame de rotina com meu gineco, que por sinal já tem um nome bastante lindo, ou seja, eu não poderia ter sido recomendada para ir a outro. Dr. Sosigenes.

Pode isso, Deus? Falando em Deus, como tá quente na rua, é capaz de eu chegar no consultório e o Dr. Sosi me pedir pra tomar um banho antes de ir pra consulta.

Céus! Quem eu encontro? Aquele que vem lá tem que ser o Lanolino, aquele andar inconfundível, quebradinha pra esquerda, pra direita, pra esquerda, póem, póem, póem, póem. Aí, continua lindo mesmo depois de anos sem vê-lo.

- Juju, não acredito que tô te vendo, quanto tempo, guria?!

- Pois é, Lanô, uma eternidade mesmo... (e tu continua per-fei-to)

- Pensei em ti esses dias

- Ah é? Sentiu saudades?

- Sempre, mas na verdade tava querendo saber daquele teu amigo de infância que vocês viviam juntos, o Claudimax. Tem notícias dele?

- Ah sim, sempre que posso ligo pra ele, está bem...

- E tá disponível no mercado?

- Sim, ele...

- Então pergunta pra ele se ele topa sair comigo um dia desses. Juju, foi um prazer falar contigo, pega esse cartão com meu telefone e qualquer novidade do Clau me liga, amiga.

MEUDEUS! Esse mesmo Deus que eu chamei no início da história... quer dizer que o Lanolino é gay? Que o Mário, meu lindo namorado não saiba disso, MAS QUANTO DESPERDÍCIO!!! E outra, no rabisteco do Lanô que vou apresentar o Claudimax, ele é muito macho... acho. PQP, vou ter que perguntar isso pra ele?

Vou pro meu ginecologista, sem medo de ser feliz!


27 de jan. de 2011

Família que se cuida unida

Ai ai, coisa boa. Descobri uma manicure ma-ra-vi-lho-as que atende a domicílio, sugestão da Alicinha Francine. O nome é um tanto quanto esquisito, Rafilda, mas por que haveria de ser diferente né? Espero que ela não se atrase, a mãe chamou a cabeleireira e a depiladora também, essa festa de amanhã promete!
(toca a campainha)
- Bom dia, sou a Agnônima, a dona aí me chamou pra depilar.
Ai Zeus, eu não posso rir. EU NÃO POSSO RIR!
- Entra, Dona Agnônima, a mãe já desce.
- Ah, é sua mãe? Nussa, parecem irmãs.
Por que será que não fui com a cara dessa doida?
(mãe chama, do alto das escadas)
- Jujuuuuuuuuuuuuuuuuu, vai te depilando, tõ terminando de lavar o cabelo, a guria da escova já tá aqui!
Que coisa, nem escutei a campainha. Bom, tá.
- Ô Agnônima, começa por mim então, vou fazer axila, meia perna e virinha.
- Frente e verso, Juju?
- Me chama de Cris. Não, só frente.
Bem capaz que vou mostrar meu lindo derrière pra uma quase anônima.
(quase 1 hora depois, uma Juju totalmente suada sobe pra tomar banho, enquanto sua mãe desce pra se depilar.)
Maldita desconhecida, quase me arrancou a pele junto com os pelos, ninguém nunca falou pra ela de termômetro? Vou ficar com o sovaco vermelho até o fim dos tempos!
- Ô fia, já lavou os cabelo? Bora escovar?
Ai que delírio, uma cabeleireira semi-analfabeta, tudo o que eu mais queria na vida!
- Já sim, vamos descer que é mais ventilado lá na sala e a manicure deve estar quase aí.
- Você que manda, benhê.
Toca a campainha.
- Bom dia, sou a Rafilda, a dona Cris me ligou pra...
- Oi Rafilda, entra, sou a Cris. Se importa de fazer minhas unhas enquanto a outra moça escova meu cabelo? A mãe se confundiu com os horários...
- Sem problemas, costumo fazer esse serviço com as minhas irmãs. A gente atende em conjunto, fica até mais fácil.
- Ah, que legal, família que trabalha unida né? Então, a mãe tá lá dentro com a Agnônima, a depiladora, e essa aqui é a... Oi, como é o teu nome?
- Larúbia? Hahahahhaha
- Rafilda! Se a gente tivesse combinado não dava tão certo, né?
- Ah, vocês são irmãs?
- Somos, e a Agnônima é a mais velha! Hahahahha
Que coisa...
(Juju sentada com os braços levemente abertos pra aliviar a queimadura da depilação, cabeça sendo puxada pra todos os lados pela Larúbia, pernas levantadas para que Rafilda pinte suas unhas, sua mãe entra na sala)
- Mãe, olha que bizarro, a Rafilda e a Larúbia aqui são irmãs da Agnônima!
- Ai que divertido!! E olha que legal, a gente realmente parece irmãs!
- Como assim, mãe, já tá bêbada? Ou ainda, sei lá...
- Não, bobinha, a Agnônima me falou que tu já tem teus primeiros pentelhinhos brancos! Quer tirar foto da gente de irmãs gêmeas de pêlos? Ah, não vai dar, a Agnônima arrancou todos, tu sabe que eu gosto de...
- Ai mãe, para, me deixa morrer em paz!

26 de jan. de 2011

Anjos caídos

O negócio é o seguinte: o céu é um saco. Pode crer, um pé no saco,calçando coturno com bico de ferro. Pra doer mesmo, de tão chato. O esquema aqui é repetitivo como uma ladainha, tipo tua vó rezando o terço, tá ligado? Aliás, o véio Pedro enche o saco explicando que a porra do terço é pra ser rezada 4 vezes. Então é quarto, cacete! Velho não consegue aceitar as mudanças, inferno...Bosta, esqueci que não se pode dizer “inferno” aqui. Ai, caralho! Toda vez que a gente fala isso aí toma um raio na bunda. Meu asterisco tá sem pêlo de tanto choque que já tomei. Nesse último milênio a coisa tá menos chata, chegou um parceiro que também acha isso aqui um tédio, a gente até consegue traficar umas deliciazinhas pra se divertir. Escondido, claro. Um cigarrinho do capeta (bosta, lá vem o raio), umas cervejas, umas anjinhas... Só pra conversar, porque a primeira coisa que fazem quando a gente é “promovido” a anjo é arrancar nossas bolas ou costurar as perseguidas das gurias. Saca, cachorro castrado não incomoda. Até rola uns beijinhos, mas não tem nem “aquilo na mão” nem “mão naquilo”. Não temos aquilos. Merda.
Todo dia chega gente nova, todos chatos e vestindo camisolões de cor pastel. Vai ser engraçado quando a Constanza Pascolato vier pra cá,ela só usa preto aí na terra. Se bem que eu acho que ela nem vem pra cá, porque ela é gente boa e aqui só tem mala. Mala pesada, saco de leite furado, saca? Gente que dá chulé em pé de mesa, azia em sal de fruta, chato que nem chinelo de gordo. Se é um pouco, um nadinha gente boa, reencarna rápido. Dizem os superiores que essas pessoas precisam voltar pra Terra pra aprender. Aprender a ser chato, só se for!As reuniões dos Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos foram transferidas pro Purgatório. Era uma das poucas coisas divertidas quero lavam aqui. Fora, claro, o “Bonde das Bichas” gritando “não épecado, não é pecado”, mas a piada já perdeu a graça.
O meu protegido é um mala também. Bom, ele era legal, era povão e cachaceiro, andava tão bêbado que até perdeu um dedo fingindo que trabalhava. Agora só anda de terno, tá sempre num avião, continua cachaceiro mas só fala que não sabe de nada. Essa piada também perdeu a graça, mas eu tenho que ouvir todo dia.O protegido do meu parceiro é mais bacana. Ele é ator, pega umas atrizes gostosas e circula num meio podre, todos se achando celebridades. É uma êra êra, quem não fuma cheira. Ele, inclusive. Se diz em tratamento, mas sempre volta pro mesmo lugar, pra mesma boca. O legal é que a gente aproveita a onda dele pra contrabandear uns tecos pra cá. E vai melhorar assim que o nosso superior supremo ajudar o cara a voltar pra uma novela. Tô no aguardo! Enquanto isso, vou ali cuidar do avião do meu protegido. Cara chato,não aquieta essa bunda no Brasil, ainda fica inventando moda com o Irã. Ó, eu não sei falar o nome do Arrmúd, não consigo trabalhar direito, inferno.

Merda, que dor na bunda!


24 de jan. de 2011

Juju em um breve momento

“Quando eu conto as coisas que acontecem comigo as pessoas pensam que é mentira, brincadeira e que estou tentando ser engraçada. Na maioria das vezes eu não acho graça alguma. Não achei engraçado saber que uma bergamota que perdeu a briga para a gravidade se suicidou no meu ombro quando eu estava passando pela árvore. Tem noção do cheiro? Agora tenho que ficar lavando essa imundice que manchou minha camiseta do Kiss. Ah inferno”

- Julieeeeeeeeeeeeeetaaaaaaaaaaaa ta ta ta, você tem cara de bocaberta ta ta

- Falando em inferno... o que tu quer, Paulo Afonso?

- Tenho um amigo meu que é alienígena. Veio de um planeta lá com o nome estranho que não lembro.

- Não, guri. Essa é a tua história, não confunda as coisas.

- Mana, eu to falando sério.

- Eu também, seríssimo. A mãe te achou dentro de uma abóbora, tu era verde e tinha antenas, gastamos milhões pra te deixar parecido com humanos, mas não tivemos muito êxito. E somos classe média agora por tua causa.

- Manhêêêêê

“Tem dias que não to com paciência, mas meu irmão consegue ao menos mexer com a minha criatividade. Não consigo ter pena, puta que o pariu, viu?! Ele sabe me azucrinar. Os irmãos dos outros são sempre mais legais. Só o Paulo Afonso discorda, tenho certeza.”

20 de jan. de 2011

O show do Fábio Jr.

Ai, xiriguidum, Fábio Jr na cidade!! Ta, é brega, ta com a cara amassada, mas é tão charmoso! Fora que o Mário é tri romântico, ele
vai adorar o presente.
- Oi amor! Que tal a gente ir no show do Fábio Jr.?
- Nossa, ia ser muito legal, quando é?
- Ué, tu não ta sabendo? É amanhã!
- Epa, tô dentro!
- Então ta, presente meu, eu compro os ingressos!
- Pó bonecrinha, obrigado, to tri sem grana, final de mês sabe cume né...
Odeio quando ele me chama de bonecrinha, mas tudo bem. Hmmmm, ingresso caro pacas, será que o marido da Vivi não me consegue umas cortesias?
Azar, vou ligar pra ela.
- Bom dia flor do dia, como ta?
- Oi Cris, beleza? To bem, e você?
- To bem, amiga. Lembrei de ti, vim pra clínica toda trabalhada na
franja, espero que o tempo fique firme até amanhã pra não estragar a
chapinha. E aí, tu vai no show?
- Vou sim, ce sabe que eu tenho que ir nos eventos né...
- Sei sim, até por isso te liguei. Será que o japonês negão me consegue duas cortesias? Queria ir com o Mário...
- Ah, consegue sim. Aliás, tem duas aqui comigo, a gente se encontra
na entrada, pode ser?
- Ai xiriguidum, claro que pode!
(na entrada, esperando os amigos)
- Bonecrinha, por que tu chama o marido da Vivi de japonês negão?
- Amor, tu vai entender... Eles tão ali, ó. Oi Vivi, oi Alexandre!
- Oi gentes... Taí as cortesias, desculpa a correria mas a gente tem
que entrar, o pessoal da produção ta nos esperando pra coletiva com o
Fábio Jr.
- Aaaaaai que inveja!
- Ah é, vocês são fãs né? Então venham com a gente.
(Mário, cochichando pra Juju)
- Agora entendi, amor. O cara é japonês e é negão, doido isso hein?
- Pshhhhh! Vamos logo tirar foto com o Fábio Jr, ta ameaçando chuva e
chapinha da minha franja não agüenta água!
(baita fila)
- Ô casal, vocês entram logo depois dos irmão ali, ta?
- Certo moço, obrigada.
- Ah, só pra avisar, o pai deles é patrocinador, vai entrar um irmão
de cada vez pra fotografar.
- Mas tio, ta começando a garoar.
- E o quéco?
Casou com uma mafagafa e teve mafagaquequinhos... Droga, precisava ser especificamente os irmãos Vancler, Vancleide, Valzitânia, Valciara e Valcilene??

17 de jan. de 2011

Juju e as redes (anti)sociais

Ué, quem é esse gatinho me seguindo no Twitter? Cris, segura tua onda, tu tem namorado! Ah, o Mário tá viajando, ele não fuça minhas coisas e paquera virtual não é chifre, #prontofalei. Que nomezinho esquisito! Azar, ele é tri bonitinho e dá umas tuitadas bem bacanas. Tá, vou seguir. Hmmmm, o gatinho mandou DM! Ai xiriguidum, tô me sentindo uma adolescente! Acorda Julieta Cristina, tu é praticamente uma adolescente mesmo, lembra que tá com uma mega espinha no nariz?

Bom, já olhei os emails, o Twitter, agora vou pro Orkut. Epa, o gatinho tá me adicionando aqui também! Eba, vou poder ver fotos! Droga, só tem o apelido esquisitinho... vamos ver os interesses...Epa, eu?? Jura que ali tá escrito “interesses: a Cris da turma de fisioterapia” ?? Ai xiriguidum, ele me conhece da faculdade!! Esse rosto não me é estranho, maldita memória! Cruzes, fiquei tão emocionada que esqueci de olhar a DM. “Cris, vait er uma festa à fantasia no sábado, quer ir comigo?”. Ai não, desenvolvi fobia desse tipo de festa, Deuzolivre. Vai que a mãe querir comigo, né? Xeu responder. “Obrigada, gatinho, mas sábado eu não posso. Fica pra uma próxima.”

Pronto, não me ofereci nem descartei. Grande Cris, dando cartadas certeiras! Eu deveria ter perguntado o nome, mas também tô ficando com fobia disso. Outra DM! “Que pena, tava louco pra te conhecer pessoalmente”. O que respondo?? Aieeeee! “Sem querer ser desmancha prazeres, mas eu tenho namorado, tu sabe né?”. Acho que agora ele não responde mais.

Tão lindinho ele, mas não dá pra ficar brincando com os sentimentos das pessoas. Que nobre que eu fui!

Bom, voltemos aos trabalhos. Twitter, Orkut, Facebook eu deletei. Falta MSN, esqueci de abrir! É Cris, a paixão opera milagres no ser humano, quem te viu, quem te vê! Ou melhor, quem não te vê mais online...

Gente! Para o mundo que eu quero descer antes que chegue no parque Tupy! Não é que o gatinho me adicionou no MSN também?? Vou aceitar mas deixar bloqueado. Credo, tô começando a me assustar! Quem será que deu meus contatos pro gatinho? Será que ele tem meu celular? Meda!

Falando em celular, cadê meu roxinho? Ah é, deixei na pochete, e a Glória Kalil que não me ouça, mas lá na clínica eu uso pochete. Ai G-Zuis, um sms sem assinatura, socorro! Ah, é do Mário. Ufa... vamos ver... “amor, vamos na festa à fantasia da minha família no sábado?”.Que coisa, dois convites pra mesma coisa, pior que esse eu não posso recusar. “Vamos sim, amor, vou procurar uma fantasia!” Certo que não vai ser de Coelhinha, né?
- Manhêêêêêêêê!!!

- Que tu quer, guria?

- Cadê tua fantasia de pirata?

- Transformei em Tiazinha, quer?

Cria, não imagina, não pensa!!

- Não. Tem outra?

- Tenho de enfermeira, colegial, professorinha, tigresa...

- Tem alguma que a bunda não fique de fora, mãe?

- Pra quê? Credo Julieta Cristina, tu tem cada uma!

Merda. Vou ter que alugar uma?

- Julietatá, tá me chamandoooooooo.

- Que tu quer, guri nojento?

- A tia Gláucia teve aqui e deixou a fantasia de cocker spaniel, lembra?

- Milagre!!! O Paulo Afonso foi útil uma vez na vida!! Cadê?

- Tá no roupeiro do porão. Fedendo, mas existe.
(e no sábado...)

- Amor, como tu tá linda de cachorrinha de madame!

- Gostou dos meus frufrus e lacinhos cor de rosa? Au au!

- Gracinha! Ainda bem que eu vim de domador, a gente até combina!

- Ah pois é, até porque Cocker Spaniel é uma raça perigosíssima! Que festa legal, hein: Oi tio Anacoluto, que boa ideia se vestir de livro!

- Dicionário, querida, dicionário.

Ai ai, por que não me surpreendo?

- Cris, queria te apresentar um primo meu. Leopoldo, essa é minha namorada, a Cris. Cris, esse é o Leopoldo, carinhosamente conhecido como Frodo.

Ai Zeus, onde escondo minha cara?? Ainda bem que as orelhas são grandes!!

- Boa noite, Cris. Não sabia que cães e gatos podiam se dar bem!

- É, então, tu vê né?

- Ué, não entendi. Que parte da história eu boiei, Cris?

- Mário, tu não tá vendo que ele tá vestido de gato de botas?

Pior que ele é tri gatinho mesmo...Um dia eu aprendo a calar minha boca. E conter meus dedos.

13 de jan. de 2011

Pequena guerra contra a balança

- Moça, a fila pra gestantes é ali, ó.

Merda. Juro: nunca mais uso bata. Cacete, eu emagreço horrores, faço bodyjump, regime, fico sem beber cerveja e me tiram pra grávida? Bem que a Patty Braga me falou que isso podia acontecer. Azar, vou pra fila, tá menor mesmo.

Tá, contas pagas, vou pra casa do Mário. Xiriguidum, saudade do meu neném! Ai G-Zuis, o Webmilton! Droga! Eu era toda apaixonadinha por ele no colégio, esse ogro nunca me deu bola porque eu era gorda. A vaca louca da Gabi me disse que ele tinha voltado pra cidade, mas eu não acreditei. Merda, eu tô de bata! Bom, agora já era.

- Oi, Web.

- Oi Juju, como você tá bonita!

- Nossa, alguém que ainda me chama de Juju... Pois é, tô bem né?

- Tá sim, linda, magrinha. Tentando disfarçar a gostosura com essa blusa folgada, né? Não adiantou, tô te vendo!

(Vai Cris, faz cara de tímida!)

- Ai seu bobo. Não gosto de me expôr, meu namorado não gosta. Deixa eu ir, ele tá me esperando.

- Tá certo. Bom te ver! Aliás, tá uma delícia ficar te olhando!

(Te segura Cris, não canta agora)

- Pode. Só olhar, só olhar... Tchau!

Baba, olha o que perdeu. Baba, a gorda emagreceu, bem feito pra você, é, agora eu sou mais eu. Isso é pra você aprender a nunca mais me esnobar!

10 de jan. de 2011

E quando o vento sacode a cabeleira

- Oi moça, tem tonalizante vermelho?

- Oi bem! Tem tinta e tonalizante, qual cor você quer?

Ai, G-Zuis, vai ser difícil...

- Tonalizante, vermelho.

- Deixa eu ver... No vermelho eu tenho henna, tinta e tonalizante, qual você prefere?

- To-na-li-zan-te.

Acho que agora ela entendeu.

- Hmmm, boa escolha, tonalizante agride menas os fios, né, bem?

Pena que agride mais meus ouvidos. E ODEIO que me chamem de bem!

- Pois é, né, benhê? Quais tons de vermelho tem aí?

- Tem desde o loiro até o preto, qual cor você prefere?

Por que não comprei pela internet?

- Moça, pode deixar que eu escolho, tá? Qualquer dúvida eu te chamo.

- Certo. Se quiser mudar o tom do seu cabelo, bem, vai ter que usar tinta. Você não prefere levar tinta?

- Não, obrigada. Qualquer coisa eu te chamo.

- Certo. O tom mais próximo desse teu alaranjado é esse loiro aqui, ó. Mas daí você vai ter que levar o pó descolorante e a tinta, não prefere a tinta?

Ai mel Dels. Te segura, Cris.

- Não, obrigada.

- Certo. Ah, tem esses novos tons de marrom chocolate, mas é tinta. Você não prefere levar a tinta?

- Moça, ó só, achei o vermelho Granada, quanto tá?

- Ah, bela escolha. Tem ele na tinta também, você não prefere a tinta?

- Tá, eu descubro no caixa, obrigada.

Socorro! Que mulher doida! Bom, deixa eu correr que tenho que arrumar o cabelo antes de ir pra casa do Mário.

- Manhê, cadê o espelhinho? Vou pintar o cabelo no jardim, o dia tá lindo!

- Tá aqui filha, eu tava fazendo exercício de pompoarismo, precisava ver o que tava fazendo. Guria, descobri umas posições novas e...

- Ai mãe, pelamordedeus, me poupa. Deixa, eu consigo pintar o cabelo sem espelho.

Droga, deu tempo de imaginar a cena. Bom, vamos ver: abre aqui, adiciona ali, sacode tudo. Luva nas mãos e vamo’nessa!

(25 minutos depois)

- Juju, por que tua testa tá vermelha?

Ai, droooooooga, esqueci de passar o creme protetor no rosto!! Droga, me pintei toda!

- Sai daqui anta obesa, ninguém te perguntou nada!

- Parece que tu tá usando uma bandana do Inter hahahahahah

- Some da minha frente, infeliz!

Droga, o Mário é gremista, vai me encher o saco. Não acredito que esqueci! Já deu o tempo, vou lavar o cabelo e tentar ajeitar a cara. Nada que um bom corretivo não resolva.

- Aaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiieeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!

- O que foi, Julieta? Abre a porta, me deixa te ajudar, tu tá machucada? Responde filha!

- Nada mãe. Só errei um pouquinho na hora de retocar a cor do cabelo, mas deixa que eu resolvo. Tu ainda tem aquele turbante?

(minutos depois, no salão)

- Oi bem! Tira esse lencinho pra gente ver o que pode fazer?

- Oi, ó só... Meu cabelo é pra ficar gritantemente vermelho, tipo granada ou intenso, mas não sei o que fiz que ficou esse verde fralda de nenê!

- É, tá feio. Mas a gente resolve fácil. Primeiro o pó descolorante, depois a tinta, certo, benhê?

Tá, Deus, entendi. Da próxima vez eu escuto a benhê da farmácia!

6 de jan. de 2011

Gramática

- Bom dia. Aqui é o Anacoluto, quem fala por favor?

- Anacoluto? Aqui é a Antonomásia. Ah, vai te catar, isso são horas de passar trote gramatical?

Puta merda. Cinco e meia da manhã, primeira vez que o Mário dorme aqui em casa e o telefone nos acorda? Saco.

- Quem era, amor?

- Desculpa te acordar, paixão. Era um doido se dizendo figura de linguagem...

- Anacoluto?

- É... Por quê?

- Cris, é o tio Anacoluto, que vai levar a gente pra praia!

- Ai meu Zeus, eu esqueci! Desculpa, mas vamos combinar que o nome dele não é muito usual... E a ligação me pegou de surpresa, eu tava dormindo tão gostoso!

- Isso me dá ideias! O que tu acha de a gente...

Triiiiiimmmmmmm

- Alô?

- Oi, aqui é a Eujácia, o Mário tá por aí?

- Bom dia, Dona Eujácia. É a Cris.

- Oi lindinha! Vocês já estão prontos? O Tuto ligou há pouco, mas acho que se enganou, pois me disse que alguém muito grosseiro atendeu.

- Capaz tia! Aqui o telefone não tocou...Bem, dá 10 minutos que a gente tá no jeito!

- Certo fofinha, já nos vemos!

Ufa, ainda bem que fiz as malas ontem. Ai, xiriguidum, depois de uma noite perfeita vem um findi na praia com o meu amor, que delírio!

- Bom dia, meninos! A mim, você pode chamar tio Anacoluto, combinado Julieta Cristina?

- Certo, tio Anacoluto. E que belo anacoluto o senhor construiu na frase, hein?

- Grande menina! Garanto: gostas de gramática.

- Verdade, gosto sim. Agora deixemos de aliterações e vamos à praia?

- Chega de papo, vocês dois: já passei filtro solar e quero tomar um torrão até o meio dia, já pro carro!

- Isso mesmo, tia Eujácia. Tô tri nas pilha de pegar umas ondinha.

- Assassino! Não destrate assim o pai Aurélio!

- Calma, tio Anacoluto, estou apenas parafraseando um surfista amigo meu, é brincadeira!

- Ufa. Então está certo. Sem mais onomatopéias, todos pra dentro do vumvum!

Ai meus sais. Isso vai ser engraçado. Espero...

- Achei que era em Tramandaí, tio... Pra que praia a gente vai?

- Julieta Cristina, isso foi quase uma alit...

- Chega, eu falei! Cris, a gente vai pro Cassino, o Euclides gosta de espaço.

- Euclides? Esse eu não conheço, tia Eujácia.

- É o nosso cachorro, querida. Ele é um pouco grande, por isso a gente deixa ele na casa da praia, tem mais espaço.

- É, não se pode negar que ele tenha espaço no Cassino...

- Bom, chegamos.

Pelamordedeus! Isso é uma casa de praia? Parece um hotel-fazenda com faixa litorânea! Ó só, tem até um bezerro ali na varanda! Ele tá vindo pra cá. Credo, como corre!

- Socoooooooorrooooooooooooooooooo!!!

- Euclides, junto!

- Alguém anotou a placa? Uma jamanta me atropelou.

- Bela metonímia, Julieta Cristina. Este é o Euclides, nosso dog alemão. É um belo cão, não é? Vem, garoto.

- Bonito sim, tio Anacoluto. E um belo desenhista, olha que beleza de arte ele fez com as patas na minha blusinha branca...

- Ora, esta menina está se revelando uma grata surpresa! Acertou na ironia!

- Pois tu vês, tio, nem foi intencional. Eu devia estar acostumada, a Sinfonia não é muito diferente. Esses cuscos são a antítese do “cão de estimação”... Tá, vou me trocar, vamos dar uma volta na praia, Mário?

Feitoria. Biquininho novo, chinelinho combinando, bloqueador solar...

- Tia Eujácia, passa protetor solar nas minhas costas?

- Claro querida, chega aqui. Vou usar o meu, tá?

- Mááááário, tá pronto?

- Querida, o Mário foi na frente com o Anacoluto, pediu pra você encontrá-los na praia.

Ai, ai, que maravilha... Tá, né, fazer o quê... Aiiiii, e chega de eufemismos, prosopopéias e catacreses. E que vá se catar o português correto. Droga, cadê esse povo? Já tô caminhando há uma hora e meia e nada deles. Legal, né? Pedem pra gente se encontrar na praia... será que alguém lembrou que a gente tá na praia do Cassino, a maior do mundo? Onde tá o Google Earth quando a gente precisa dele? Pera... Google Earth... Eu deveria procurar pelo bezerro, digo, cachorro. Como é mesmo o nome? Pleonasmo? Não, merda, é nome de gente, de algum livro daqueles que obrigam a gente a ler no colégio... Escobar? Não, esse é o corno da Capitu. Eurípedes? Não, essa é a mulher do Orfeu. Ai, o Tony Garrido... Volta, Cris, a hora do recreio é depois! Como é o nome daquele potro? Demóstenes? Não, esse é meu ex. Bela fonte de nomes esquisitos, a minha lista de ex. Só o Mário se salva, mas a família dele tem cada obra! Droga, não viaja guria, como é o nome do cusco? É com E. Eustáquio? Ermenegildo? Euzébio? Ercílio?

- Euclides, não!

Isso! Euclides! Aaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

- Alguém anotou a placa? Acho que uma jaman... Aaaaaiiiiii que dor nas costas!

- Amor, tá tudo bem?

- Morri e tô no céu, mas com as costas no inferno. O que houve, Mário?

- O Euclides te achou na praia, pulou em ti e te derrubou. Tu bateu a cabeça numa planonda e desmaiou. Só não sei porque tu passou protetor solar no corpo todo menos nas costas, tem até bolhas de tanta queimadura!

- Eu passei sim! Na verdade, a tia Eujácia passou o dela...

- Tia Eujácia???? Ela só usa óleo de côco!!

- O que mais pode acontecer, pelamordedeus?

- Jujuuuuuuuuuuuuuuuu!!

- Ai não. O Paulo Afonso nãooooooooooooo!!!!!

4 de jan. de 2011

Conto da história sem fim

Ela acordou assustada, com uma insuportável dor no pescoço e com calor. Olhou em volta e percebeu que, novamente, deixou as cortinas abertas e o sol iluminava todo o quarto. Sentiu-se só, imensa e absolutamente só. Sorriu e pensou “etimologicamente só”.
“Alone” vem de “all one”, algo como estar em perfeita conexão consigo, sem precisar de nada nem ninguém. Caminhou só de calcinha pelo quarto, abriu o vidro da imensa janela de seu apartamento. Novamente passou os olhos pelo quarto.
Tudo novo. Branco.
A cama nova, coberta por lençóis de cetim branco, combinava perfeitamente com o grande espelho que tomava conta de uma das paredes. Depois de muito tempo, Ela olhava e se via. Não era uma imagem falsa, forjada de acordo com os moldes que Ele queria, ou que Ela achava que Ele merecia. Aquela mulher no espelho era Ela. Viu-se sorrir, primeiro com olhos, depois os lábios entreabertos se abriram e começaram a cantar:

Um belo dia resolvi mudar
E fazer tudo o que eu queria fazer
Me libertei daquela vida vulgar
Que eu levava estando junto à você
E em tudo o que eu faço
Existe um por que
Eu sei que eu nasci
Sei que eu nasci pra saber
Pra saber o quê?
E fui andando sem pensar em mudar
E sem ligar pro que me aconteceu
Um belo dia vou lhe telefonar
Pra lhe dizer que aquele sonho cresceu
No ar que eu respiro
Eu sinto prazer
De ser quem eu sou
De estar onde estou


Ficou séria.
Não, definitivamente, agora não falta ninguém.
Faltava ela, Ela se percebeu ausente dos últimos anos de sua vida. Sempre contida, sempre precavida, sempre pensando e repensando atos e palavras, tanto que acabava por silenciar.
“Chega!”
Gostava de se ouvir assim, em alto e bom som. Ainda com os olhos fixos no espelho, virou-se lentamente e deu uma boa olhada no próprio corpo. Passou a mão pela barriga e sorriu.
    Lisinha.
    Conseguiu passar por todo esse período conturbado sem engordar ou emagrecer, manteve-se com o mesmo peso. Pensando bem, por que haveria de mudar? Foi tudo tão rápido... Divórcio, demissão, viagem, casa nova, empresa nova.
Ela, de novo.

3 de jan. de 2011

Pô, seu guarda!

Xi-ri-gui-dum, que saudade do meu bofe... Esse período de provas na faculdade acaba com o meu tempo, e ficar mais de cinco dias sem ver o Mário é muito mais do que meu coração aguenta. Ainda bem que ele mora aqui perto da clínica, assim eu posso sair do trabalho e dar um beijinho nele, antes de ir pra casa enfiar o nariz nos livros. Droga, ninguém vai arrumar essa calçada? Todo dia eu tropeço nessa pedra! Tá, chega, vou atalhar pelo beco. Ai que meda, tá escuro! Ontem eu passei aqui na frente e tinha uma luz ace...

- Cala a boca e passa a bolsa!

- Calar a boca como, se eu tava quieta?

- Cala a boca mocréia. Me dá a bolsa e o celular!

- O quê? Minha bolsa lindamente falsificada que ganhei da mãe de Natal? Nem a pau, Juvenal!

- Como é que tu sabe meu nome? Não olha pra minha cara, piriguete, e passa a bolsa!

- Ó aqui, piriguete e mocréia são a pu...

- Polícia, solta a moça!

Aaaaaiiiiiiiiiiii! Legal, agora o fedorento tá com a mão nojenta na minha boca, me encoxando, e eu tô entre ele e a polícia. Porque eu não escuto a vó Taurina? “Guria, não anda sozinha em rua escura”. Bem feito, Julieta Cristina.

- Tu tá cercado, meliante. Solta a moça e te entrega.

- Como é que eu tô cercado se isso aqui é um beco? Sai da frente senão eu atiro na gordinha aqui. Ô guria, vai morder a mão da pu...

Nojooo! Não acredito que mordi a mão sebosa desse cara!

- Aqui ó, gordinha é a mãe! Me larga ou tu vai ser enquadrado como ladrão. E não me agride, olha a Maria da Penha!

- Maria da Penha é o cacete! Me dá a bolsa ou eu bato em ti, na polícia e nessa Maria da Penha aí. Onde tá essa?

- Peraê. Tu tá me ameaçando com um pirulito no bolso?

- Claro que não, gorda! Tô armado, não tá ve... aaaaiiiiiiiiii!

Ah, te catar. Me assaltar tudo bem, mas me chamar de gorda e com um pirulito no bolso?

- Que coragem, hein moça? Belo gancho de esquerda, a senhorita treina boxe?

- Não, seu guarda. Eu tenho um irmão mais novo...

- Ah, perfeitamente. A senhorita gostaria de registrar queixa? Seria um prazer acompanhar uma moça tão bela até a delegacia.

Puta merda. Não me bastasse o fedorento me encoxando, agora um Pedro Paulo de bigode me cantando?

- Eu vou, seu guarda. Só tô ligando pro meu namorado ir comigo... Eita, olha ele passando ali!

- Mário, tô aqui!

- Cris, eu tava preocupado, o que houve? Tio Vespúcio, quanto tempo que eu não te via!

Meu São Tomé das Letras, será que só o Mário tem nome comum nessa família?