19 de nov. de 2010

Conto do nanana

Segunda à noite, calor inacreditável, a chapinha do fim de semana desmanchando-se no rabo de cavalo mal fixado, academia cheia e barulhenta.

Ela odeia malhar, mas é um mal necessário. Após alguns meses de exercícios forçados começou a perceber o efeito em seu corpo, que está muito mais firme, sente-se melhor e com mais energia. Aliás, hoje ela se sente linda no short de suplex e camisetinha branca, com top preto por baixo. Até ele comentou que ela anda muito gostosa...

O pior de tudo é a esteira. Fica logo na entrada da academia, parece que querem mostrar pra todos que as pessoas estão se esforçando lá dentro. Ela aumenta o volume no mp4 (o som ambiente é de trincar os tímpanos), respira fundo e começa a correr. Quase cantarolando, sente uma disposição anormal pra se mexer. Aumentou a velocidade. O suor já descia pelas costas e pela barriga, passou a toalhinha pelo rosto. Quando abriu os olhos novamente, achou que estava tendo uma ilusão de ótica. Olhou para os lados, respirou fundo e olhou de novo: era o outro ele sim! Lindo, de bermudão e regata, segurando um squeeze com umas pedrinhas de gelo dentro. E ela sentindo tanta sede...

O mp4 começa a tocar Wonkavision:

"Faltam poucas horas para eu ir

E ainda não sei o que vestir

Pra ter certeza de te impressionar

Já pus o meu armário para o chão

Sem encontrar qualquer solução

Eu queria apenas te agradar

Olho o espelho e vejo alguém confusa

Achando que uma blusa vai fazer

Ele se apaixonar

Faço o que for pra ganhar o seu amor

Nana nananana nananana

Sei que mesmo que a cor do meu batom

Venha a ser do mais perfeito tom

capaz de tirar sua respiração

Não quero que isso aconteça assim

Quero que enxergue através mim

Por baixo de toda essa produção

Olho o espelho e vejo alguém confusa

Achando que uma blusa vai fazer

Ele se apaixonar

Faço o que for pra ganhar o seu amor

Nana nananana nananana

Seja o que for, bom, tudo bem

Vem, sempre tem quem faça a alguém bem

Mesmo sem-sem saber bem-bem

Quem é quem ou de ninguém

Tanto faz, mas quero mais-mais

Foi tão bom-bom, com você-cê

Se quiser mais-mais, tudo bem-bem"

"Droga, tô toda desarrumada, descabelada, nem usando gloss eu tô!", ela se recrimina. Diminui a velocidade da esteira (tropeçar agora não seria uma boa) e finge que é uma samambaia. Olhos fixos na parede à sua frente, passa novamente a toalha pelo rosto. Quando abre os olhos, não vê mais a parede e sim ele e o outro ele, conversando.

- Amor, esse figura vai malhar no mesmo horário que a gente!

Figura? Já tá assim a coisa? "Oi, tudo bem?", cumprimenta, quase sem fôlego, mas pelo menos dessa vez ela falou... "Vais treinar luta também?" perguntou, pra não morrer o assunto, "sim, teu marido me falou que o mestre é tri bom" "legal, começa a alongar que o treino é daqui a pouco!" sugere, sorrindo e suando, e aumenta novamente a velocidade da esteira, como que encerrando o papo.

O outro ele sorriu, deu dois passos em direção à sala de artes marciais mas parou exatamente ao lado dela. Como é muito alto, seus olhos ficaram no mesmo nível, muito próximos, e ela ouviu baixinho "tu é a única mulher que eu conheço que fica linda suada e correndo na esteira, nem assim tu perde a elegância"... e seguiu pra aula.

Logo em seguida acabou a bateria do mp4 e ela foi malhar braço, revezando aparelho com aquelas patricinhas cor-de-rosa da recepção.

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