5 de nov. de 2010

Conto da epifania ululante

Ela acorda de madrugada e ele não está na cama.
Silêncio na casa. Ou seja: não deve estar no computador, nem assistindo televisão, nem fumando lá fora (ela sabe quando a porta fica aberta, os cachorros entram). De repente aquela cama, já tão grande, parece imensa.
E no instante seguinte, ela se sente livre. Será que ela ficou novamente bêbada, novamente brigou com ele e mandou que saísse de casa?
Será que ele deixou que ela ficasse bêbada pra ter o sono mais pesado, aproveitando pra sair sozinho? E se ele tiver saído sozinho, será que ainda está sozinho?

Sentou-se na cama e ficou olhando pras coisas do quarto. Olhou para o guarda-roupas... ele achou um absurdo comprar um móvel tão grande, e semana passada tiveram que comprar uma cômoda, pois não havia mais lugar pras camisetas dele. Isso porque as saias dela, claro, tomaram o espaço nos cabides. Olhou pra televisão... Eles gostam tanto de assistir os seriados na madrugada da TV... e conversam, trocam carinhos delicados, e acham falhas
no roteiro...

Já com os olhos marejados, ela começa a sentir um aperto no peito.
Entendeu que, se as coisas não estavam lá muito fáceis com ele a seu lado, sem ele ficariam insuportáveis! Quem a convidaria pra ir ao cinema domingo á tardinha (mesmo pra um filme de violência)? Quem traria água no meio da noite, quando ela acordasse de seus frequentes pesadelos?
Quem a acordaria dando mordidinhas em sua nuca toda manhã?

As lágrimas corriam por seu rosto, ela olhava pro travesseiro dele sem coragem de se mexer. Ao fundo, bem baixinho, ouviu Barão Vermelho, provavelmente vindo da casa do vizinho.

"Por Você!
Conseguiria até ficar alegre
Pintaria todo o céu
De vermelho
Eu teria mais herdeiros
Que um coelho..

Eu aceitaria
A vida como ela é
Viajaria à prazo
Pro inferno
Eu tomaria banho gelado
No inverno..."

Soluçava, maldizia a caixa de cerveja que bebeu à noite. "O que eu falei pra ele ir embora?", já estava certa de que a culpa era dela.

Barulho no banheiro do quarto de visitas ("alguém veio pra cá ontem?"), ele entra no quarto enrolado em uma toalha...

"Amor, acordei morrendo de calor e fui tomar banho no outro quarto pra não te... ei, você tá chorando?" perguntou, sentando-se ao lado dela e a abraçando. Abraçou tão forte, como se quisesse tirá-la do aparente transe. Não era transe. Ela ficou hipnotizada de alegria ao vê-lo entrar, e se deu conta de como fazia tempo que não prestava atenção nele. Ele, assim só de toalha, parecia um modelo de outdoor da Teka!

"Foi só mais um daqueles pesadelos, meu amor, não fica preocupado", e o abraçou tão forte, como há tempos não fazia. E aproveitou que ele estava só de toalha...

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