9 de fev. de 2012

O silêncio, o calor e o limoeiro

Silêncio.
Inesperado, repentino, chegou como um trovão em céu azul.
O céu estava azul, forte calor, alguns minutos depois... Silêncio.
Os sons habituais do computador, rádio online, ar condicionado, cachorro latindo, carros passando na rua, telefone, até a geladeira que volta e meia dá aquele tranco, como que avisando do estrago iminente, todos em uníssono clamando por energia elétrica através do intermitente apito do nobreak.
Teriam sido apenas minutos? O tempo passa rápido quando estamos munidos do sedentário conforto da tecnologia.
A conta de energia foi paga, não houve qualquer som atípico antes da queda, o corte deve ser momentâneo.
Silêncio, apenas entrecortado pelo apito, agora acelerado, do nobreak.
O calor no escritório fica insuportável sem o ar condicionado, abro a porta e, lentamente, olho atentamente para o cômodo. Pequeno, mobiliado com as sobras da mudança, com instrumentos musicais e caixas de mostruários empilhados criteriosamente. Com um sorriso maroto atesto que consigo ser metódica até na hora de juntar bagunça.
Apoio os cotovelos no granito quente da janela e olho para o céu, esperando o azul e... Cinza. Um cinza de silêncio abafado, modorrento, com tons de maus presságios. Uma completa escala de cinza no céu, indo do impecável branco das nuvens ao negro do horizonte.
Calor. Olho em volta e a terra está seca no jardim, as folhas das árvores não se movem, sequer as moscas se atrevem a enfrentar as correntes de ar. O pequeno limoeiro, plantado à frente da janela, aquela pequena esperança de futura sombra, também não se mexe. Um verde acinzentado atípico, não sei se reflexo do céu ou por falta de água.
O calor é quase sólido, penetrante, como que anestesiando as terminações nervosas. Sinto-me inapta a qualquer movimento que não os respiratórios, um leve menear de cabeça e olhos que rastreiam o quintal.
Silêncio e calor.
O limoeiro foi meu presente para a Terra em comemoração ao nascimento do meu primeiro filho. Percebo agora que, nestes quase 2 anos de vida, a árvore cresceu pouco mas se desenvolveu bem, seus galhos ganharam amplitude e muitos novos brotos. Mas com esse calor é quase impossível um desenvolvimento adequado, pobre limoeiro, sequer as formigas estão por perto para fazer companhia.
Silêncio contagiante, começo a perder a noção do tempo após alguns momentos de vazio. Pensamento em silêncio, espírito quieto, como que a inebriar-se de um prazer que julgava inatingível: o silêncio.
Há quanto tempo não fico em silêncio total? Assim sem interrupção, assim sem perspectiva, sem a vida me chamando à ação, sem me importar? Assim como o limoeiro, imóvel, sem companhia, apenas existindo apesar do calor? Eu cresci nestes quase 2 anos? Tenho a impressão que só o calor cresceu. E agora o silêncio parece gerar atrito com o calor, faíscas surgem no cinza médio que precede o negro do horizonte, mas nada se mexe. Nem eu nem o limoeiro.
Encosto a cabeça no vidro da janela, respiro fundo e sinto que o ar quente vai explodir meus pulmões enquanto o silêncio estoura meus tímpanos.
Relâmpago.
Um milésimo de segundo antes, uma pequena folha do limoeiro se mexeu. Ou teria sido depois, pelo susto? Será que eu me mexi?
Mais alguns instantes de silêncio e calor, outra folha se mexe, um raio corta o céu desde o negro do horizonte até o cinza claro que faz divisa com a branca nuvem, que parece fugir em direção ao outro horizonte. Algo como o calor e o silêncio que fogem da chuva.
Chuva.
Primeiro uma grande gota d’água ao lado do muro, duas outras um pouco menores ao lado do limoeiro, outra em mim. O calor parece querer entrar janela adentro, mas nada se mexe, como se fossem gotas de chuva em um quadro na calçada.
Então veio o trovão, perseguindo o raio que saiu em busca da nuvem. Com ele, fortes lufadas de vento quente e molhado, como que atirado às escuras, vinha de todos os lados. Não me importo com a chuva molhando o chão do quarto, ou a roupa no varal, elas que aproveitem a chuva de verão.
O limoeiro, após um momento de frisson entre as folhas, parece que se estica em busca de mais água, mais vento, como que crescendo à minha frente. Os tons de cinza são levados pela chuva que agora parece uma cascata, o verde contrastando com o cinza do céu como num desenho de criança.
Ouço gritos e risadas de crianças na rua. Meu cachorro aparece correndo e tenta abocanhar as gotas d’água, pulando em círculos. O limoeiro dança ao sabor do vento.
Banho de chuva.
Por que não?

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